sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Quatro e um quarto

- Que barulho foi esse?

- Não sei... - responde Luca desinteressado.

- Vá ver, Luca – ordena Cauê.

- Vá você, oras! Não vê que eu estou colando figurinha?

‘O que custa ele ir? Eu estou sempre fazendo coisas que ele manda!’ - pensa Luca, envolvido com os cromos de futebol.

Vencido pela curiosidade, Cauê não vê outro remédio a não ser ir ele mesmo para a janela.

- Nossa mãe! Caramba!

O irmão menor se interessa e corre para onde está Cauê.

- Está vendo, Luca?

- Puxa vida! Que confusão! – comenta o menor.

- Zezé! Lica! Venham ver! – chama Cauê

As meninas brincam de casinha: Zezé penteia a boneca enquanto Lica arruma os pratinhos na minúscula mesa de uma sala de jantar, como uma boa dona de casa.

- Que foi, Cauê? – Lica voltada para a casinha.

- Vem logo! Vocês estão perdendo!

Em instantes os quatro estão pendurados na janela de cima do sobrado.

Lá fora a tarde está manchada de cinza, com cara de chuva. No meio da rua, há um amontoado de gente grande se comprimindo, conversando, gesticulando, olhando pro chão.

‘Não consigo ver nada! Quem será?’ Cauê busca melhor posição para observar.

O transito está parado. Buzinas soam em desarmonia.

- Caramba! Quanta gente! – soa uma vozinha feminina.

- Sei lá, Lica. Não dá pra saber. Está cheio de gente! Acho que alguém caiu, se machucou... - Luca cogita.

- Machucou? - pergunta Zezé com a boneca embaixo do braço. Não espera resposta; volta-se para a sua boneca:

– Às vezes a gente pode tropeçar, bater a cabeça..., não é Suzy? Mamãe cuida de você, viu? Não vai deixar você cair na rua não! – faz carinho na cabeça da filhinha.

- Não é nada disso, Zezé. Aconteceu alguma coisa... – Cauê presta atenção; os seus olhos buscam abrir espaço entre as pessoas para ver quem está no chão.

O burburinho continua.

Uma sirene vem aumentando o volume cada vez mais.

- Está chegando a polícia! – alguém diz.

‘Agora sim, agora sim!’ - Cauê suspira animado.

A aglomeração humana se movimenta lentamente, como um bicho, oferecendo resistência aos guardas, não querendo sair dali. Empurrando, os policiais vão abrindo caminho, rompendo o cerco. - Para trás, para trás...

As crianças observam a movimentação. Cauê não tira os olhos da rua.

O burburinho cessa aos poucos e o silêncio até então escondido cresce e se impõe.

Os dois guardas estão abaixados, examinando. Quando se levantam, as crianças já podem ver.

Paulinho vira o rosto como se tivesse levado uma bofetada.

Luca fica imóvel, com o olhar parado e a boca aberta. Em sua mão, a figurinha é esmagada.

Zezé abraça a boneca com força.

Lica... Onde está Lica?

Lica está estirada na cama choramingando. Está de bruços, com a cabeça enfiada na colcha. Quase nem dá para ouvir o chorinho sufocado.

- Não acredito, Cauê. Hoje mesmo eu a vi lá na frente do estacionamento. E agora acontece isso! – a cabeça de Luca pende.

‘Que droga!’ Cauê chuta a almofada jogada no chão voltando para dentro do quarto bagunçado.

Aos poucos, os quatro voltam para os seus lugares: Cauê joga play station, Luca tenta desamassar a figurinha alisando-a várias vezes com a mão.

Zezé e Lica, do outro lado do quarto, retomam os afazeres domésticos: Lica arruma a mesa da sala de jantar enquanto Zezé passa a sua escova no cabelo da filhinha.

As crianças estão tristes e silenciosas.

Zezé enxuga uma última lágrima perdida no rosto.

O relógio marca 16:15 horas.


neorubens

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