sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Pequenos professores

Renato despertou sobressaltado. Havia muito, ele se sentia deprimido e infeliz e nada o fazia ter vontade de viver. A vida havia lhe reservado muitos dissabores, levando cedo demais aqueles a quem ele mais amava. Ele sofria sua ausência e agora eles estavam ali, tão presentes, num sonho longo do qual ele despertava agora. Por alguns momentos ele teve sérias dúvidas; aquilo tudo parecia tão real e presente, não poderia ter sido só um sonho. Eles estavam todos ali, reunidos e o abraçavam de uma forma tão terna que ele ainda podia sentir o calor do abraço. Ele guardava ainda meio zonzo a sensação do intenso amor que brotou de seu peito naquela hora, quando se abraçaram. Eles o beijavam calmamente na face, seus rostos eram luminosos e serenos. Renato não cansava de repetir que sentia muita saudade e eles diziam que também sentiam, pois o amor que os ligava era muito grande. Ele quase podia sentir o calor de seus corpos e trazia ainda fresco na memória o sorriso manso de cada um deles: a paz que ele sentia era infinita, o prazer indescritível. Ele estava ainda extasiado por aquela deliciosa sensação quando se lembrou que eles lhe diziam que estavam bem, mas que apenas uma pequena coisa os desagradava: vê-lo sofrer tanto pela sua ausência. Lembre-se – diziam – que você vive e ainda restam ao seu lado muitos que merecem pelo menos uma parte de todo esse amor que nós sabemos que você é capaz de oferecer, pois já pudemos senti-lo.

                Ele respirou fundo, encheu o peito, levantou-se e, com o corpo ereto e cheio de uma dignidade e de uma altivez que já não vinha experimentando há muito tempo, caminhou até o banheiro e encarou sua imagem no espelho. O homem que ele viu não foi o mesmo dos dias anteriores. Uma nova luz brotava de seus olhos, agora iluminados e transformados pela sensação que ele trazia daquele encontro.  Algo nele havia mudado, e muito. Ele barbeou-se, vestiu-se com apuro e foi para o trabalho, ansioso por encontrar alguém para quem pudesse contar a experiência. Ele se sentia feliz, uma sensação que quase já nem lembrava mais como era.

                Quando Renato ia chegando à porta de sua empresa, algo ofuscou aquele seu estado de felicidade momentânea. Ele viu um grupo de pessoas reunidas na calçada, consternadas, e quis saber o que estava acontecendo. Um de seus funcionários lhe apontou uma criança do outro lado da rua, uma criança da vizinhança, que ele conhecia, mas que nunca havia lhe despertado o interesse. Aquela criança estava órfã, totalmente só no mundo. Ela, seus pais e dois irmãos tinham sofrido um acidente, do qual apenas ela tinha sobrevivido. Sem qualquer outro parente que tivesse restado, ela estava sendo agora encaminhada para uma instituição. Ele ficou sem entender os desígnios do céu: por que, afinal, justamente no dia em que ele reencontrava um pouco da sua felicidade perdida, deparava-se com tamanho sofrimento, por parte de alguém tão pequeno que talvez não tivesse ombros para suportá-lo?

                Algum tempo se passou e aquilo não saiu da cabeça de Renato. Quando o Natal se aproximou, ele quis saber para onde aquela criança órfã tinha sido encaminhada. Sem saber muito bem por que, Renato resolveu lhe fazer uma visita para levar um presente de Natal que talvez pudesse colocar novamente um sorriso em seu rosto, que talvez pudesse fazê-la esquecer por um momento que estava tão só no mundo.  Afinal, ele sabia o que era se sentir só. Ao chegar lá, encontrou não só o par de olhinhos que ele procurava, mas dezenas de pares de olhinhos esperançosos de que alguém tivesse se lembrado delas no Natal. Ele não teve dúvidas: voltou lá mais uma vez com presentes para todas as crianças e a partir de então passou a visitá-las regularmente, encontrando nelas um destino para o seu amor que, durante tanto tempo, tinha ficado adormecido. Ele conversava com as crianças e com as pessoas que cuidavam delas e foi assim que ficou conhecendo muitas histórias difíceis. Mas ele também via em todos aqueles rostos uma semente de esperança, apesar de todo o sofrimento. Aqueles pequenos eram lutadores incansáveis e não desistiam jamais. Muitas vezes teve a felicidade de ver crianças que saíam dali felizes, tendo seus sonhos concretizados, conseguindo uma nova família. E ele percebeu e aprendeu que elas não apenas ganhavam a felicidade de ter um novo lar, como também levavam a felicidade para pais que desejavam muito ter filhos, que tinham muito amor a oferecer.  

                Renato descobriu naquelas crianças a força de gente que tinha todas as razões do mundo para chorar, mas que ainda assim, sorria. E descobriu que o ato de sorrir mudava tudo, que a esperança as impelia a viver. E ali ele passou a distribuir o seu amor, entendendo através desses pequenos grandes professores sorridentes que o nosso amor não precisa ser destinado apenas àqueles que se ligam a nós por laços de sangue, mas também pode se estender a todos os que estão ligados a nós por laços de vida. Ele descobriu que se olharmos à nossa volta, veremos que há muita gente que necessita desse amor e dessa atenção.  Sua vida mudou. Ele sabia que agora fazia felizes aqueles que estavam aqui neste mundo e também aqueles que haviam partido. Entendeu finalmente a razão da visita de seus entes queridos naquela noite, pedindo que ele não chorasse a sua ausência e não se esquecesse de que ainda havia muita gente por aqui que precisava do seu amor.

                Hoje, a cada novo dia, ele agradece por estar vivo e por ter a chance de fazer felizes aquelas pessoas. Ele se vê no espelho e olha com orgulho para seus olhos ali refletidos, hoje luminosos. Ele sente que sua vida vale muito e que ele pode fazer a diferença. Ele sabe que ali, diante dele, está alguém capaz de mudar a vida de muita gente, de fazer o bem a outras pessoas, apenas pelo fato de estar vivo.

Chris 

Nenhum comentário:

Postar um comentário