sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Feriado

Acordei satisfeito por perceber que não iria trabalhar hoje, afinal... feriado em São Bernardo do Campo. Santo padroeiro, valei-me! Poderia dormir até um pouco mais tarde e curtir São Paulo - coisa há muito não feita - no meio de uma semana. Penso com os meus botões que, afinal, sendo uma 4ª feira, todos devem estar trabalhando. Logo, a cidade deveria estar toda disponível para mim: poderia ir para onde quiser, fazer o que quiser, tudo estaria livre. O filme recém lançado e que nos três últimos finais de semana, as filas às portas dos cinemas onde está sendo passado me proibiram de assisti-lo, de hoje não me escapa.
Tomo um banho demorado. Curto por antecipação uma metrópole só minha. Hoje sou o rei de São Paulo. Mas que Kassab, que nada! hoje o rei sou eu. Escolho uma roupa esporte, condizente com o meu feriado. Olho no espelho. Analiso sem ser muito crítico. Ela não combinaria com uma quarta feira normal, mas com hoje - uma quarta-feira mais gorda que a de Cinzas - sim. Às 10 horas saio de casa.
Raios!! Logo na primeira avenida que vou cruzar, o trânsito está parado. Deve ser um acidente ali adiante, logo após aquela tão desastrosa curva. Ontem pela manhã, quando passei por ali, havia ocorrido um atropelamento. Eu preciso me lembrar de fazer um abaixo assinado, pedindo à prefeitura para que um semáforo - ou ao menos uma lombada - seja colocado naquele ponto. Está certo que seria um ponto de estrangulamento, mas afinal é só um. Não deve atrapalhar tanto assim. Após diversas acelerações e brecadas, e alguns minutos não tão desesperados - afinal é o meu dia de rei - consigo atravessar a avenida. Lanço um olhar na direção da curva para tentar enxergar o motivo do congestionamento - tenho certeza que é um acidente - e não consigo perceber nada. Sigo em frente... até parar três quadras adiante. Novo acidente. Tenho certeza.
Hora e meia depois, chego ao Shopping Center. Custo a conseguir entrar no estacionamento - só entrar. Primeiro piso: nenhuma vaga; segundo piso: nenhuma vaga; terceiro piso: ôpa! uma vaga... acabo por cedê-la a uma senhora muito bem vestida - na verdade uma perua - que, mesmo chegando depois de mim, suplica por estacionar o seu carro importado. Sigo em frente. Ou melhor, acima. Terceiro piso: nenhuma vaga. O mesmo no quarto e no quinto. No sexto, a única vaga disponível era a última do corredor - literalmente a última do estacionamento. Tenho certeza de haver cruzado com tantos carros descendo. Onde estarão as vagas abandonadas por eles? Quase que esta maratona me tira do sério, mas é o meu dia. Eu devo curti-lo... Saio do carro e sigo em direção ao elevador. Uma pequena fila está esperando por este pequeno componente escapado do inferno de Dante. Permaneço parado na fila, quando só então percebo que a chave do carro não está no meu bolso. Dou um sorriso amarelo para as pessoas à minha volta, sim, porque a fila dos elevadores públicos têm a mesma organização do caos descrito pelos antigos filósofos (tenho certeza que aquela descrição feita por eles foi baseada em um sonho que os trouxe através dos séculos). Faço o trajeto de volta ao carro olhando com cuidado por onde passei - é impossível que o chaveiro tenha corrido para baixo de algum carro - e, claro, as chaves jaziam estáticas penduradas no contato do meu carro (eu poderia jurar que o havia trancado). Fosse eu um ladrão, teria aberto o carro mais rápido do que qualquer um com a chave na mão. Mas não: eu era apenas o dono do carro, aquele ser, que se qualquer inteligência tivesse, perceberia a sua autonomia naquele momento e fugiria de mim. Ou será que ele era tão inteligente para saber que sair dali naquele momento, seria enfrentar um megalômano congestionamento, para onde quer que ele quisesse ir - ou melhor, não ir.
Chamo um guarda do estacionamento - após procurá-lo por um tempo, que me pareceu não ter fim - e explico a situação. Ele faz cara de poucos amigos. Percebo que a minha roupa destoava do que ele entendia como uma pessoa distinta, afinal, quarta feira é dia de sujeitos honestos usarem terno e gravata e não calça jeans, tênis e camiseta. Mostro meus documentos, que parecem não convencê-lo. Ele os analisa como um especialista em falsificações. Após provar a autenticidade, se dispõe, ainda sem muito empenho, a colaborar com a minha salvação, libertação, minha e do meu carro. Arranja um pedaço de cordão, que, de tão grosso, serviria para que eu me enforcasse, ou mesmo, com exagero, claro, poderia servir para guinchar o carro. Tento. Primeiro estendendo o cordão com as mãos e com um leve sorriso no canto da boca, e depois, com todas as palavras, explicar que aquela corda era para amarrar navios ao cais e não para tentar destravar a porta do carro. Ele, muito rapidamente, entende e consegue um fio ligeiramente mais fino e útil. Consigo libertá-lo, e a mim, dos grilhões de uma chave esquecida. Agradeço com poucas palavras e percebo que ele espera algo mais: que vá para o inferno. Levei mais de meia hora para soltar o carro e, se não tivesse implorado, quase de joelhos, ele não me teria ajudado. Viro as costas e sigo em direção ao elevador. A fila está maior do que da primeira vez (Será que não chegou nenhum elevador até agora?, penso), mas não consigo reconhecer nenhum dos que estavam nela naquele momento.
São quase duas horas. A sessão do cinema começa daqui a poucos minutos e eu, que tencionava comer alguma coisa antes de me divertir, acabo desistindo do rápido lanche. Sigo para o cinema. Por obra do destino, não tenho dúvida, liderada por algum arquiteto mal intencionado, tenho de cruzar a área de alimentação. Tenho e tento, é claro, mas não consigo, pois acho que a cidade inteira veio matar a sua fome neste shopping. Filas enormes em lanchonetes desconhecidas. Nas mais famosas, são grandes cobras, quilométricas diria, serpenteando a partir do caixa até, sabe lá Deus onde. Peço licença para as primeiras pessoas; por favor às seguintes para me tornar um grandessíssimo mal educado, empurrador de senhoras, crianças e marmanjos, logo depois. Um copo de refrigerante - espero que Diet - tomba de uma mesa e, este sim, suja o tênis que havia escapado de um sorvete de chocolate duas mesas antes. Procurar um guardanapo agora, nem pensar. O tênis e a calça sujos devem aguardar mais tarde para retornar às cores originais.
Chego à bilheteria do cinema às 13horas e 55 minutos: ainda dá tempo de pegar esta sessão. Dizem que o filme é muito bom, mesmo. E deve ser, pois a fila para comprar ingresso mistura-se com as filas das lanchonetes, das cafeterias, dos restaurantes. Não consigo, por mais que me esforce a encontrar a minha fila. Tento desfiar, como fôra um novelo de lã, e nada. Tento procurar uma alternativa, ou mesmo, quem sabe, um rosto conhecido para comprar o ingresso para mim, e nada. Todos os meus amigos devem estar trabalhando hoje; afinal é uma mísera e cinzenta quarta feira. No guichê um cartaz (mal) escrito à mão, me chama a atenção - afinal este era esta a sua intenção: chamar a atenção. As palavras misturam-se à raiva que sinto. “Bilhetes somente para a sessão das 18h - Não insistir”.
Mas não me deixo abater. Tenho certeza que este filme logo estará disponível nas locadoras: é só uma questão de tempo, de aguardar o lançamento, de aguardar os amigos do dono da locadora, de aguardar os que primeiro o reservarem, de conseguir a fita original com legendas - e não dublada. Faltam poucas filas para assisti-lo. Meu reino por um filme.

Luiz Carlos Godoy

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